Há palavras que queria dizer-te;



Há palavras que queria dizer-te, ou melhor, há palavras que queria ter-te dito. Então, perdoa-me se estou a escolher palavras que são tuas e que não fazem parte de mim, acho que é a melhor forma de construir uma ponte entre mim e ti, um passeio complicado onde não podemos magoar-nos — como já aconteceu. Desde já, desculpa pelos acentos errados, pela minha voz que vai falhar os Rs, pelo infinitivo pessoal que ainda não consegui usar, eu sei que explicaste, eu sei. Não fiques com raiva de mim, podes não ficar?
Há palavras que queria dizer-te, ou melhor, há palavras que queria ter-te dito. O cais está cheio de pessoas, parece ridículo que estão todos na mesma linha, como numa guerra, como no início de uma batalha, mas no final, é só o metro. Eu também sinto-me assim, sabes? Sinto-me preso num conflito invisível, mas é algo só para mim, uma guerra individual, a sensação que cada manha me deixa sem ar, que quase não sei dizer se é a apneia do sono ou a vida que me levanta como uma janela aberta contra o frio das seis da manha.
Há palavras que queria dizer-te, ou melhor, há palavras que queria ter-te dito. Sempre me disseste que teria sido melhor mudar os meus hábitos, “Não fumes, não comas no teu quarto, não dobres o livro ao meio para não deixar as paginas com a forma de onde passas.”, eu sempre disse que sim, ma ao final, nada mudou. Tu sabes porquê: a parte que mais gostava era de sentir o carinho na preocupação da tua voz, no teu olhar, dos braços cruzados contra o tronco. É por isso que só agora estou a fazer como me aconselhaste, apesar de que tu já não estás mais aqui.
Há palavras que queria dizer-te, ou melhor, há palavras que queria ter-te dito. Não posso mais te olhar nas manhas, quando cedo tu tinhas que ir ao hospital para trabalhar e eu ficava no calor dos cobertores, com os olhos meio fechados, preso à tua imagem no escuro do meu quarto. Era ali que eu te amava mais, nas sombras de algo que estava a começar, no momento que não era um dia completo e nem sequer a noite, um tempo do meio, como sempre me senti contigo: com o pé no último degrau de uma ponte.
Há palavras que queria dizer-te, ou melhor, há palavras que queria ter-te dito. O metro está a chegar. As pessoas entram no comboio. Eu vou esperar o último momento, quem sabe se hoje consigo ver-te sair do meu lado, como na primeira vez — tu a sair e eu a entrar do mesmo lugar — nunca fomos simultâneos, sempre andamos em direcções opostas, não achas?
Ao entrar, por engano o meu cotovelo bate em alguém, peço desculpa em voz alta. Então, penso, no meio das pessoas, se o outro cotovelo vai bater numa outra pessoa e continuando o jogo dos corpos, entres os olhos e os braços que se tocam mil vezes cada dia no metro, quem sabe se com esta transição de pele e ossos e lábios e pele outra vez, cabelos e sorrisos, timidez, sonhos, musicas e tatuagens, vou chegar ao pé de ti, a olhar-te nas sombras do dia, uma outra vez.

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